domingo, 9 de novembro de 2014

Afinal, de onde saíram as bruxas?


Mesmo quando os romanos decidiram que todos deveriam crer nas verdades absolutas que eram: Deus ser barbudo, morar no céu, e ter feito um filho com Maria de um jeito que ninguém conseguia fazer, os pagãos, teimosos que eram, torciam o nariz para estas coisas que não entendiam muito bem. Até porque, naqueles tempos, pagão era só quem morava no campo, e não quem tinha pactos maléficos ou vivia de invocações e feitiços. Na verdade, uma das maiores heresias dos pagãos era creditar a existência do mundo a uma Deusa-mãe. Imaginem só, dizer para um judeu ortodoxo ainda vá, mas dizer para um general romano recém convertido ao cristianismo que Deus é Deusa? Não dá, né?

Aí era demais. Pior: Faziam festa por tudo: O festival de Samhain, que cultuava os mortos, era muito popular. O jeito foi absorvê-lo e transformar a data no triste dia de finados. A festa de solstício do inverno, comemorativa do nascimento do Deus Sol, durava três dias, juntava tanta gente, e era tão importante que não teve outra saída: passou a ser nascimento do Cristo salvador: Festa de Natal.


Os pagãos possuíam vários templos, muitos deles dedicados a deuses e deusas que simbolizavam forças da natureza. Mesmo com toda a pressão dos recém convertidos romanos, a freqüência aos templos continuava. Para resolver mais este problema, muitas igrejas foram erguidas nos locais dos antigos templos pagãos. 

A liberalidade do paganismo não podia continuar. Então, em 1484, Papa Inocêncio VIII teve uma idéia genial (ou bruxoleante): A Bula contra os Bruxos. Depois, a Santa Inquisição, com poderes de investigar, prender, torturar e executar suspeitos de bruxarias ganhou reforço com a publicação do livro Malleus Malleficarum ('Martelo dos Feiticeiros'), de Kramer e Sprenger, 1486. Destinado a identificar bruxos e bruxas, uma das principais conclusões do livro era: “Quando uma mulher pensa sozinha, pensa em malefícios".

A idéia de bruxas e seus caldeirões, ervas e poções mágicas, está diretamente associada ao conhecimento da natureza e da saúde que as mulheres desenvolveram durante as cruzadas, quando os homens foram à guerra e foram elas que tiveram que dar conta de tarefas antes determinadas masculinas. 


Quando os homens retornam e desejam retomar seus postos de trabalho, quaisquer sinais de rebeldia poderiam significar aproximação com o Demônio. Aliás, qualquer outra transgressão da ordem moral sexual estabelecida também era merecedora da fogueira, de sorte que os homossexuais, tanto quanto as mulheres “transgressoras” formaram a maior parte das vítimas do Tribunal da Santa Inquisição. Além da perseguição aos desafetos de inquisidores, este período trouxe também o enriquecimento de vários deles, uma vez que os bens e posses do denunciado eram divididos entre o denunciante, o inquisidor e a igreja.

Mal sabiam eles que apesar de toda a repressão, não conseguiram acabar com as bruxas e bruxos, com os cultos à natureza. Passou o tempo, muitas injustiças feitas jamais serão reparadas, muitas atrocidades jamais serão punidas.


Mas não é que, seiscentos anos depois, muitas fogueiras e torturas passadas, bruxos e bruxas andam por aí, o paganismo reaparece de outra maneira, que seja a idéia de respeito à natureza e a uma vida mais saudável, e nós, mulheres entendemos aos poucos nossa condição no mundo? Ah, se a igreja daquele tempo soubesse... Que o catolicismo hoje perde espaço para as igrejas quadrangulares, com o tipo de exorcismos e sortilégios em seus cultos, ou para as religiões animistas que se espalham pelas Américas, trazidas pelo braço negro e sincretizadas pelos rituais indígenas, que a religião que mais cresce no mundo é o Islã... e apesar de alguns tropeços de todas elas, nenhuma está precisando de fogueira para convencer seus infiéis. Talvez tivessem feito as mesmas coisas. Mas talvez as bruxas e bruxos queimados nas fogueiras tivessem ao menos respondido às perguntas com sonoras gargalhadas a seus inquisidores.

Texto de Regina Abrahão

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