Uma
comissão de representantes do Conselho Nacional de Educação (CNE) vai
se reunir, com o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Carlos Ayres Brito para discutir um tema espinhoso e polêmico: o
ensino religioso. A oferta de aulas sobre o tema nas escolas públicas do
País é obrigatória de acordo com as leis brasileiras. Na teoria, o
conteúdo não pode professar dogmas de nenhuma religião e deve ser dado
por professores das redes.
Na
prática, as escolas não seguem as regras definidas pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Não há orientações claras sobre
como o tema deve ser tratado, tampouco professores preparados para
ensiná-lo. Quando a escola oferece ensino religioso, termina por fazer
catequese de alguma religião – de modo geral as cristãs. Por conta
dessas indefinições, os conselheiros criaram uma comissão que vai
elaborar orientações nacionais sobre o assunto.
Depois
de algumas reuniões com estudiosos – nenhum representante de religiões
foi convidado a participar das discussões para que não ficassem
tendenciosas –, os conselheiros decidiram ir além. Vão expor ao ministro
Ayres Brito suas preocupações com um acordo estabelecido em 2009 entre o
governo brasileiro e o Vaticano, no qual o Brasil concorda que o ensino
religioso deve ser dado por representantes da Igreja Católica ou de
outras religiões.
O
ministro será responsável por analisar uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da União contra
esse acordo no ano passado. A ação defende que o STF suspenda a
“eficácia de qualquer interpretação que autorize a prática do ensino
religioso das escolas públicas que não se paute pelo modelo
não-confessional” e não permita que representantes de qualquer religião
sejam responsáveis por esse conteúdo nas escolas.
César
Callegari, presidente da comissão que discute o tema no CNE, concorda
com a PGR. “Estamos preocupados com os problemas que o acordo pode
trazer. Devemos fazer de tudo para que a laicidade do Estado seja
protegida”, afirma o conselheiro. Para ele, o acordo deve ser revisto.
“Não se pode aceitar proselitismo no ensino religioso e esse conteúdo só
pode ser dado por professores capacitados”, defende.
Segundo
o conselheiro, o primeiro documento do CNE com orientações gerais sobre
o tema está quase pronto. O texto, porém, só deve ser apresentado à
sociedade, em audiência pública a ser marcada no início do ano que vem.
Ele acredita que a sociedade ainda não resolveu um conflito que deveria
ser a preocupação anterior a essa discussão sobre quem deve se
responsabilizar pela educação religiosa das crianças: se a Igreja, as
famílias ou as escolas.
“Mas
não está na ordem do dia a possibilidade de uma revisão do texto da
Constituição Federal, que determina a oferta de ensino religioso nas
escolas. O que precisamos é garantir o cumprimento do que está na lei de
maneira adequada”, analisa Callegari. Para ele, outro aspecto muito
importante a ser definido é a garantia de outras atividades aos alunos
que não desejarem assistir a essas aulas – eles não são obrigados a
frequentar essas aulas.
Minorias atendidas
No
Rio de Janeiro, onde lei municipal aprovada recentemente definiu a
oferta de disciplina sobre o tema a partir de 2012, quem não quiser
assistir às aulas de ensino religioso – que deverá contemplar as
doutrinas católica, evangélica/protestante, afrobrasileiras, espírita,
orientais, judaica e islâmica – será matriculado na disciplina Educação
para Valores. Inicialmente, a medida valerá apenas para as escolas de
turno integral.
Para
Antonio Costa Neto, pesquisador do tema na rede pública do Distrito
Federal, o mais importante é garantir que as minorias sejam atendidas
nessas normas. Antonio diz que a diversidade religiosa afrobrasileira
não é contemplada nas aulas, nem na formação dos professores, o que
prejudica as ações para combate ao preconceito racial. Durante o
mestrado, ele fez um levantamento nas escolas do DF e identificou que,
assim como no resto do País, a abordagem do assunto ainda é
confessional.
“Atuar
com a disciplina ensino religioso no âmbito das relações étnico-raciais
para combater o racismo é uma oportunidade muito boa de êxito. No
entanto, as religiões afrobrasileiras não têm sido contempladas e os
professores não recebem formação adequada”, lamenta. Por conta disso,
Antonio abriu uma representação junto à Secretaria de Educação do DF
para questionar como o tema está sendo tratado nas escolas da capital
federal.
O
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios também manifestou
interesse no tema e pediu explicações ao governo local. Nenhum dos dois
obteve respostas concretas ainda. O MPDFT pediu explicações à Secretaria
de Educação no mês passado e aguarda a manifestação do órgão. Na
opinião da promotora de Defesa da Educação do DF, Márcia da Rocha, esse é
um tema importante, mas cujo debate ainda não foi amadurecido pela
população. Ela acredita que a sociedade ainda não sabe se gostaria e que
tipo de educação religiosa deve haver no País.
Fonte: Último Segundo (Potal IG)
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