domingo, 8 de novembro de 2015

Morgana fala...Prólogo do livro As Brumas de Avalon


Em vida,chamaram-me de muitas coisas: irmã, amante, sacerdotisa, maga, rainha. Na verdade cheguei agora a ser maga e poderá vir um tempo em que tais coisas devam ser conhecidas.Verdadeiramente, porém creio que os cristãos dirão a última palavra.

O Mundo das fadas afasta-se cada vez mais daquele em que Cristo predomina.Nada tenho contra Cristo,apenas contra os seus sacerdotes,que chamam a Grande Deusa de Demônio e negam o seu poder no mundo.Alegam que,no máximo esse poder foi de Satã.Ou vestem-na com o manto azul da Senhora de Nazaré - realmente poderosa,ao seu modo -, que,dizem,foi sempre virgem.Mas o que pode uma virgem saber das mágoas e labutas da humanidade? E agora que o mundo está mudado e Artur - meu irmão,meu amante,rei que foi e rei que será - está morto(o povo diz que ele dorme) na ilha sagrada de Avalon, é preciso contas as coisas antes que os sacerdotes do Cristo Branco espalhem por toda parte seus santos e suas lendas.

Pois,como disse,o próprio mundo mudou.Houve um tempo em que um viajante, se tivesse disposição e conhecesse apenas uns poucos segredos,poderia levar sua barca para fora, penetrar o mar do Verão e chegar não ao Glastonbury dos monges,mas à ilha sagrada de Avalon; isso porque, em tal época, os portões entre os mundos vagavam com as brumas e estavam abertos, um após o outro, ao capricho e ao desejo do viajante.Esse é o grande segredo , conhecido por todos os homens cultos de nossa época: pelo pensamento criamos o mundo que nos cerca,novo a cada dia. E agora os padres, acreditanto que isso interfere no poder de seu deus, que criou o mundo para ser finitamente imutável, fecharam os portões (que nunca foram portões, exceto na mente dos homens), e os caminhos só levam à ilha dos padres, quer eles protegeram com o som dos sinos de suas igrejas, afastando todos os pensamentos de um outro mundo que vive nas trevas. 

Na verdade,dizem eles,se aquele mundo realmente existe, é propriedade de Satã e a porta do inferno,se não o próprio inferno.
Não sei o que o deus dele poder ter criado ao não.Apesar das histórias contadas, nunca soube muito sobre seus padres e jamais usei o negro de uma de suas monjas-escravas.Se os cortesãos de Artur em Camelot fizeram de mim este juízo, quando lá fui (pois sem usei roupas negas da Grande Mãe em seu disfarce de maga), não os desiludi. 

E na verdade, ao final do reinado de Artur, teria sido perigoso agir assim, e inclinei a cabeça a conveniência como nunca teria feito a minha grande senhora, Viviane Senhora do Lago, que depois de mim foi a maior amiga de Artur, para se transformar mais tarde em sua maior inimiga, também depois de mim.

A luta, porém, terminou. Pude finalmente saudar Artur, em sua agonia, não como meu inimigo e o inimigo de minha Deusa,mas apenas como meu irmão e como um homem que ia morrer e precisava da ajuda da Mãe, para qual todos os homens finalmente voltam. Até mesmo os sacerdotes sabem disso, com sua Maria sempre-virgem em seu manto azul, pos ela, na hora da morte, também se transforma na Mãe do Mundo. E assim, Artur jazia enfim com a cabeça em meu colo, vendo-me não como irmã, amante ou inimiga, mas apenas como maga, sacerdotisa, Senhora do Lago; descansou, portanto, no peito da Grande Mãe, se onde nasceu, e para quem, como todos os homens tem de finalmente voltar. 

E talvez - enquanto eu guiava a barca que o levava, desta vez não a ilha dos padres, mas a verdadeira ilha sagrada no mundo das trevas, que fica além do nosso, para a ilha de Avalon,aonde agora poucos, além de mim, poderiam ir - ele estivesse arrependido da inimizade surgida entre nós.

Ao contar esta história, falarei por vezes coisas que ocorreram quando eu ainda era demasiado jovem para compreendê-las ou quando não estava presente.Meu leitor fará uma pausa e dirá,talvez: "Esta é a sua magia".Mas eu sempre tive o dom da Visão, de ver o interior da mente de homens e mulheres; e, durante todo esse tempo, estive perto de todos. Assim, por vezes, tudo o que pensavam era do meu conhecimento, de uma forma ou de outra. Por isso, contarei esta história. Um vez também os padres a contarão, tal como a conhecem. Talvez entre as duas se possam perceber alguns lampejos de verdade. 

O que os sacerdotes não sabem, com o seu Deus Uno e a sua Verdade Única, é que não existe história totalmente verdadeira. A verdade tem muitas faces e assemelha-se à velha estrada que conduz a Avalon; o lugar para onde o caminho nos levará depende da nossa própria vontade e de nossos pensamentos, e talvez, no fim, cheguemos à sagrada ilha da eternidade, ao aos padres, com seus sinos, sua morte, seu Satã e o inferno e danação... 

Mas talvez eu seja injusta com eles. Até mesmo a Senhora do Lago, que odiava a batina do padre tanto quando teria odiado a serpente venenosa, e com boas razões, censurou-me certa vez por falar mal do deus deles.

Todos os deuses são um só Deus, disse ela, então como já dissera muitas vezes antes, e como eu repeti para minhas noviças inúmeras vezes, e como toda sacerdotisa, depois de mim, há de dizer novamente, "e todas as deusas são uma só Deusa, e há apenas um iniciador, E a cada homem a sua verdade, e Deus com ela." Assim, talvez a verdade se situe em algum ponto entre o caminho para Glastonbury,a ilha dos padres, e o caminho de Avalon, perdido para sempre nas brumas do mar do Verão. Mas esta é a minha verdade; eu, que sou Morgana, conto-vos estas coisas,Morgana, que em tempos mais recentes foi chamada Morgana, a Fada.

FONTE:As Brumas de Avalon pág:13, prólogo.

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