domingo, 19 de julho de 2015

Mito diânico da criação


Foi quando não havia o tempo, antes do despertar das eras, e antes que céus e terra pudessem contemplar-se na eternidade. A Deusa dormia e, com Ela, todas as coisas que ainda não existiam, no espaço escuro e inexistente, anterior à criação. Ela dormia e sonhava com a vida. E a vida lhe pareceu tão bela e doce quanto forte e poderosa; tão sagrada quanto Ela mesma. 

A Deusa encheu-se de alegria com a visão daquela existência, de tal forma que sorriu o primeiro dos sorrisos, antes mesmo da alegria existir. E assim Ela começou a mover-se e, percebendo Sua beleza, apaixonou-se por si própria. E desse amor nasceram todas as coisas.

Ela criou o Ar, para que sua canção ecoasse, juntamente com os movimentos de sua dança. A paixão com que criou todas as coisas e que emanava em pequenas esferas luminosas a partir de seus movimentos fez com que nascesse o Fogo e, com ele, o brilho. E o amor que depositou em cada uma destas coisas corria no universo vazio, nas Águas de seu útero condescendente, pulsante em vida. E, por fim, ela moldou todas as coisas e deu origem à terra; Seu Corpo Sagrado, Sua fertilidade; Ela mesma.

E Ela criou montanhas, voluptuosas e fortes em suas formas, que eram, também, as formas Dela: Seus seios, Seu ventre cheio, Sua estabilidade e segurança. E por entre as montanhas e planícies corriam rios, livres, murmurantes: Seu sangue sagrado que brotava do centro da terra, formando fios de água cristalina, o brilho prateado que enfeitava o mundo. E Ela deu origem às árvores, pequenas e frágeis e também grandes e de copas largas, para que aqueles que habitassem a Terra pudessem lembrar-se de Seu abrigo e descansar à Sua sombra. E todas as coisas que agora cresciam na terra pulsavam: lembranças de Sua cura, Sua abundância, Sua promessa de vida.


E quanto mais percebia Sua essência em todas as coisas que havia criado, mais Ela as amava. E assim Ela deu oprigem ao Deus, para que Lhe fizesse companhia, e Lhe desse prazer, e para que dançasse com Ela a Dança da Vida; aquele a quem Ela primeiro amou e primeiro abençoou; seu primeiro iniciado.

E Ela multiplicou-se. Deu origem à mulher: Sua filha, Sua irmã, Sua Sacerdotisa, em sua própria imagem e, como Ela, guardiã de Seus poderes, a portadora da vida.

E ainda emanando Seu amor, Ela, que é Mãe de todas as coisas viventes, encheu a Terra de novos seres, cada um deles mais exótico, mais belo do que o outro, para que nos lembrássemos, sempre, de que não estamos sós. Para que quando olhássemos para todas as coisas que Ela criou nos lembrássemos de como estamos todos ligados, unidos na grande teia que Ela, a mais antiga e exímia tecelã, teceu na escuridão das eras.

E tudo o que não existia, Ela fez nascer, detalhando-se, demorando-se, envolvendo-se, conhecendo profundamente cada um dos objetos de Sua criação. E Ela os amou, cada um deles. E os fez diversos, e os fez inúmeros, depositando em Sua obra a amostra de Sua diversidade. Sua vida - Sua sagrada vida - que agora crescia, evoluía, transformava-se, sempre tornando-se algo melhor e ainda mais encantador, a cada segundo.

E Ela então contemplou Sua criação, e mais uma vez sorriu. E foi novamente preenchida por uma onda de êxtase, júbilo por tudo aquilo que se formara a partir de Suas poderosas mãos. Pois não havia nada que não tivesse vindo dela própria. E assim Ela criou o primeiro Mistério, a ser percebido por aqueles que A viam em toda a existência: todas as criaturas e todo o Universo eram parte Dela mesma, vivendo através de Sua vida, Sua beleza, e dançando, com o ecoar em tudo isso, de Sua preciosa canção.

Baseado no mito da criação de Lulu Saille

Marisa Petcov 


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