segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Medusa, a vingança e o rancor


Medusa, junto com suas irmãs, Stheno e Euryale eram filhas dos Titãs do mar, Porcys e Ceto. A Medusa Algol era a mais jovem, mais bonita e também a única mortal entre as três. Diziam terem sido extremamente sábias; todas elas serviram como sacerdotisas para Athena, a deusa virgem da sabedoria. Porém Poseidon, o deus do mar, teria seduzido Medusa no templo de Athena e elas teriam se tornado vingativas e rancorosas a respeito dos homens.

Athena transformou Medusa e suas irmãs em bestas horrorosas, com pele escamosa, asas e um cabelo formado por serpentes enroladas. Medusa era a única mortal. Todos aqueles que miravam em seus olhos, se tornavam petrificados. Medusa vivia em uma caverna e foi decapitada por Perseu.

Crisaor e Pegasus eram filhos da Medusa e nasceram quando a Medusa foi decapitada. Crisaor tem este nome porque já nasceu com uma espada de ouro. Unindo-se a Calírroe, nasceu o filho Gerião com três cabeças, que foi morto por Héracles. Também foi o pai de Equidna, o terrível monstro que era metade mulher, metade serpente. Pegasus era um cavalo alado que acompanhou Perseu e Belorofonte nas suas aventuras.

Vide: mitologia grega: Perseu e a Medusa - Click aqui

Medusa era trágica e solitária; petrificava com apenas um olhar. Tirava a vida com o movimento do olhar e também não podia ser vista de frente, pois causava ao aventureiro uma paralisação. O sangue que escorreu de Medusa foi recolhido por Perseu. Da veia esquerda saia um poderoso veneno; da veia direita um remédio capaz de ressuscitar os mortos. Ironicamente, Medusa trazia dentro de si o remédio da vida, mas não o sabia usar, sempre usou o veneno da morte.

Medusa é o símbolo da mulher rejeitada, e por isso, incapaz de amar e ser amada. Odeia os homens na figura do deus que a seduziu e a abandonou. Também odeia as mulheres por ter sido transformada de uma bela mulher a um terrível monstro. Sua condição de monstro é fruto da vingança; por culpa de um homem deus e uma deusa mulher. Medusa é a própria infelicidade e seus filhos não são humanos nem deuses.

As gorgonas são símbolos do inimigo a combater, as deformações monstruosas da psique, forças pervertidas das três pulsões do ser humano: a sociabilidade, a sexualidade e a espiritualidade. A dificuldade em perceber a própria imagem traz a dúvida que atormenta grande parte da humanidade: Quem sou eu? É a grande questão do ser humano que nunca se pergunta: O que eu não sou?

Incapazes de mostrar uma imagem positiva, as pessoas erram pela vida alinhando possibilidades para construir a sua própria monstruosidade. Assim como os filhos de Medusa, herdam da mãe a figura monstruosa, apesar de serem também filhos de um deus. Em Pegasus há os dois sentidos, a fonte e as asas, símbolo da inspiração poética que representa a fecundidade e a criatividade espiritual. Pegasus talvez represente o melhor lado da Medusa, que ficava escondido e não podia ser visto, pois ela representava a pulsão espiritual estagnada, e Pegasus, a espiritualidade em movimento.

Com uma autoimagem distorcida, algumas pessoas agem como filhos da Medusa, não conseguem ver a si mesmos como são, e sempre se imaginam bem piores do que poderiam ser. Alguns autores falam que a autoimagem origina-se no olhar que um filho recebe da mãe. A forma como a criança é olhada e vista, o que ela percebe de rejeição ou aprovação é captado no olhar da mãe. São como os tristes filhos de Medusa que não podem vê-la e também não podem ser vistos por ela. É a mãe que não dá carinho ao filho e seu olhar os paralisa.

Medusa incorpora a personalidade de estrutura depressiva, ela não gera filhos felizes, apenas trágicos. Medusa não olha, não acaricia, não orienta; paralisa. Não é por acaso que o sentimento da depressão é a inércia, a perda da vitalidade. Como se tivessem transformados em pedra pelo olhar da mãe, os que se sentem filhos da Medusa, erram pela vida sem espelhos que traduzam a sua real imagem. São pessoas desprovidas de afeto com uma enorme necessidade de carinho, que no entanto não suportam proximidade, uma vez que não confiam em ninguém, pois não acreditam que podem ser amados e sentem-se como monstros. Falam de mães ocupadas, mães vaidosas e ressentidas da perda da beleza devido à gestação. São monstros cuja criatividade precisa ser libertada e precisam encontrar um espelho que lhes diga quem são, ou pelo menos quem não podem ser.

Da morte da Medusa resulta a vida e Pegasus ganha os céus, liberto, simbolizando a vitória da inteligência, a sua união com a espiritualidade, a sensibilidade que sempre existiu naquele que se julgava o monstro. Assim como Pegasus, quando a pessoa não se aferra ao seu aspecto de humano comum, em revoltas descabidas e em vinganças inúteis, poderá compreender a sua tragédia e perdoá-la. Na condição de Pegasus, será fonte de todas as belezas, da mais pura elevação, da criatividade e da fidelidade. Não é por acaso que Pegasus simboliza a poesia.

Porém, se incorporar o lado animalesco, errará pela vida sem pertencer a ninguém. Será o homem de muitas mulheres mas sem nenhuma, incapaz de amar. Petrificado pelo olhar da mãe será inerte, desenvolvendo sintomas de doenças paralisantes com fantasias de autopunição. E se tornará trágico e sem alegria, ou tentará superar sua dor através do poder e do dinheiro. No entanto, quando consegue, tem tudo e ao mesmo tempo sente-se um nada. Não pode ter uma mulher amorosa porque guarda a imagem da mulher num monstro que petrifica, e quando a encontra não confia nela e aborta a possibilidade de obter o amor que poderia revitalizá-lo.

A mulher que se vê como filha da Medusa mostra a impossibilidade de ser amada. Mesmo sendo bela, será uma trágica figura condenada a ser uma eterna criança presa às entranhas da mãe ou torna-se também uma mãe monstro. A mãe lhe transmite o que sente pelos homens, violação e abandono, e assim essa mulher percebe que o homem em sua vida pode ser tratado como um brinquedo ou como fonte de sofrimento. E muitas vezes ela se une a homens cruéis que irão justificar a idéia da mãe: a impossibilidade de ser feliz com os homens. E quando encontra um verdadeiro amor, destroi o amor juntamente com o homem amado.

Mulheres de amores infelizes herdam da Medusa o olhar terrível. E das uniões infelizes geram filhos infelizes que carregam presos a si mesmas não por amor, mas pelo terror que podem gerar. São as novas Medusas que se conseguirem ver-se num espelho, podem se tornar deusas gerando filhos como Pegasus. De outro modo, irão gerar filhos que nãopodem amar ou que lhe servirá de brinquedo para suas brincadeiras cruéis de paralisar e aterrorizar pessoas. Como no mito, a mulher se torna um monstro pelo descuido de um deus homem e pela crueldade de uma deusa mulher.

A Medusa foi decapitada por Perseu. Ele também teve uma trágica história de vida, pois sua mãe Danae e ele foram jogados numa arca e atirados nas ondas do mar pelo avô de Perseu. No entanto, a mãe de Perseu era amorosa e transmitiu isso a seu filho. Apesar do abandono e rejeição do seu pai, Danae não transformou isto em ódio à masculinidade e nem transmitiu isso ao filho. Eles não permitiram que sua desgraça se transformasse em ressentimento com a humanidade. Perseu mostrou o espelho à Medusa para que ela descobrisse e libertasse o seu lado Pegasus, o lado da poesia.


FONTE: eventosmitologiagrega.

Um comentário:

  1. Gostei do texto e da abordagem. me possibilitou uma reflexão sobre a rejeição que eu não tinha feito antes em relação a esse mito.

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